Tomei conhecimento do acidente – se é que posso chamar assim – na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), minutos depois da barragem da Vale do Rio Doce se romper e causar um novo crime ambiental em Minas Gerais.
De bate-pronto, compartilhei uma notícia da tragédia em minha rede social e passei as primeiras horas em silêncio. Refletindo. Indignado. Evitei consumir informações imediatas porque geralmente são recheadas de especulações e dados distorcidos – ocorrência comum quando algo gigantesco acontece, principalmente desastres. Mas passados dois dias da “avalanche” de lama (e informações), algumas certezas me assolam. A primeira delas é que a incompetência, negligência e descaso da Vale não cabem nenhuma justificativa. Não tem como explicar o inexplicável, tampouco justificar o injustificável. Uma outra certeza é que, se algo não for feito dessa vez, estaremos decretando a nossa falência moral.
Observei reações diversas. Li veículos de comunicação jogando a culpa no governo FHC, o qual foi o responsável pela privatização da Vale; notei outros com críticas ao governo Dilma por flexibilizar algumas leis ambientais; me deparei também com julgamentos sobre o governo Bolsonaro, principalmente pelo posicionamento do presidente durante o período eleitoral, cuja campanha foi taxativa sobre a necessidade de afrouxar as leis ambientais.
A negligência é toda da Vale do Rio Doce. É toda dos governos anteriores. Mas o descaso (e indiferença) também bate à nossa porta. Das centenas de páginas de turismo que acompanho, por exemplo, consigo contar nos dedos as que se manifestaram ou que tiveram a compaixão de comentar o caso. Sim, é obrigação de qualquer veículo de comunicação que se preze abordar sobre o assunto. E o segmento turístico não foge à regra. Dos instragrammers de viagens que estampam uma vida utópica, a maioria fingiu que nada aconteceu. Mas é “compreensível”, uma imagem de lama prejudicaria todo o visual do Instagram, não é mesmo? Talvez não tenham mesmo se importado, afinal de contas não atrapalhou em nada a viagem ou a vida artificial que pregam em redes sociais.
Enquanto isso, o número de mortes já sobe para 99, mas 259 pessoas ainda estão desaparecidas. Esse desastre já é superior ao desastre de Mariana (MG), ocorrido em 5 de novembro de 2015, que deixou 19 mortes.
“Todas as barragens da Vale estão em risco e podem se romper a qualquer momento. A empresa não quer gastar o dinheiro necessário para recuperar o meio ambiente”. Segundo o jornal El País, esse depoimento é de um dos engenheiros ambientais que não quis ser identificado, mas que já prestou consultoria à Vale. Essa afirmação legitima a opinião de todo brasileiro: não há dúvidas sobre a negligência da Vale do Rio Doce, que carrega a contradição “Rio Doce” em seu próprio nome.
Assim como Mariana ficou esquecida, Brumadinho também está fadado ao mesmo destino, principalmente pela grande mídia: a partir de agora será riscado do mapa e só será lembrado no aniversário do desastre, todo dia 25 de janeiro. E não será mais o plano de fundo das fotos de muitos viajantes. Não será mais um destino turístico. Não será mais uma cidade. Mas tudo bem, o Carnaval está chegando e as férias estão logo aí. Outros destinos sem lama nos esperam.
Foto: reprodução
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