A AfriCat, com apenas 25 anos desde sua fundação, já salvou milhares de animais selvagens na Namíbia. Mas a luta continua.
Durante o game drive (tour feito de carro para contemplar animais selvagens), o guia Craig Brown dirige por entre arbustos e relvas à procura de algum felino. Os raios de sol cintilam na lataria do longo veículo de safari. Logo mais à frente, uma cheeta é avistada. E não estou falando do chimpanzé do Tarzan. Falo da cheeta felino.
O animal apenas observa, dá as costas e finge que não é com ele. “Eles estão acostumados com a visitação e nem ligam mais em ver pessoas”, comenta Craig. “É assim que eles vivem agora e ficarão aqui pra sempre.”
Não se trata de um cativeiro e nem de um zoológico, mas da AfriCat Foundation (site da fundação), uma organização sem fins lucrativos que reabilita animais selvagens na Namíbia. Os bichos, que na maioria correspondem a grandes carnívoros, como leopardos, guepardos e cheetas chegam até lá por diversos motivos: ferimentos causados por predadores, lesões devido à caça ilegal, doenças da velhice ou por agricultores que espantam os animais de suas fazendas de maneira incorreta — o uso de armas de fogo e envenenamento são causas comuns.
Alguns animais resgatados conseguem ser reinseridos em seus habitats, mas outros não saem mais da fundação. “Quando eles chegam muito filhotes, não existe possibilidade de soltá-los porque eles perdem o extinto de caça e se tornam dependentes dos alimentos que damos a eles”, explica o funcionário. “Até hoje, mais de mil animais foram resgatados, 80% foram devolvidos à natureza.”
A Fundação AfriCat é uma maneira de ver típicos animas selvagens da Namíbia em seu ambiente natural, dentro de uma grande reserva. Além disso, é uma oportunidade de testemunhar o trabalho crítico de conservação, de pesquisa e reabilitação dos carnívoros.
Com a ajuda de funcionários e voluntários, a AfriCat Foundation, com base na Reserva Natural Okonjima — situada a 220km capital da Namíbia, Windhoek, e no meio do caminho para Etosha National Park —, teve sua fundação numa fazenda no início da década de 1990, num lugar que cresceu de maneira significativa nos últimos anos, cuja área atual é de 22.000 hectares, espaço que corresponde a 30 mil campos de futebol: um local que não dá para colocar defeito e nem para sentir pena dos resgatados.
O encontro com os animais acontece de forma espontânea e sem delongas. Logo na entrada da reserva é possível avistar grandes bichos. Em poucos quilômetros rodados — antes mesmo de começar o game drive (safari) — nos deparamos com uma manada de gazelas, pequenos macacos, avestruzes e javalis. A cena incomum nos fez parar o veículo diversas vezes para contemplá-los. “Não desçam do carro, vão devagar, sigam sempre em frente e não alimentem os animais”, recomendou o funcionário quando liberou nossa entrada. “Em meia hora vocês deverão chegar na sede da AfriCat, lá vocês poderão conhecer mais sobre o projeto”. Respeitamos todas as recomendações, mas não foi impossível chegar ao local em meia hora. Cada animal avistado rendia bons minutos de freio de mão puxado.
Já na sede da Fundação, o encontro com alguns animais pede mais segurança, que é o caso do leopardo. O guia nos conduz a um lugar fechado — uma espécie de observatório com largas janelas — e protegido alguns metros por cerca elétrica. O animal aparece em poucos minutos. Ele só chega próximo porque um suculento pedaço de carne é colocado sobre um tronco, perto de nós.
O rugido incessante do felino sugere que não há exagero na segurança. Eles são considerados os bichos mais arredios da África — e os mais imprevisíveis também. Sobem em copas de árvores com maestria, são velocistas e exímios predadores. Os funcionários não vacilam, principalmente quando estão com visitantes.
Enquanto observo, o felino esquece aos poucos da presença humana e faz o que tem que fazer: devora seu café da manhã. O animal emite uma sequência de sons enquanto engole sua refeição e, em poucos minutos, só lhe resta um pedaço de osso para roer. E não demora muito para sumir entre árvores com a sobra preso à boca.
Talvez seja este o único “show” que o lugar oferece, mas é muito mais por questão de segurança do que uma atração propriamente dita. “Esse é um exemplo de animal que é dependente da gente, é uma fêmea de leopardo chamada Lewa, chegou aqui ainda filhote mas que agora não saberia viver lá fora”, explica Craig Brown.
Com a recente colonização da Namíbia, o país vem sofrendo expansão e, com isso, tem acontecido o surgimento de novas fazendas. “A população tem crescido e novos problemas vão surgindo”, alerta Craig. “A perda do habitat é uma das maiores ameaças às populações de guepardo, cão selvagem, leão e leopardo na Namíbia. As fazendas de gado já são milhares e se espalham pela maior parte do nosso país — as mesmas áreas onde existe a maioria desses animais.”
O que o guia diz é real, essa situação pode ser vista de uma extremidade a outra da Namíbia — pelos mais de 2 mil quilômetros rodados, notei incontáveis fazendas em meio a enormes campos e, muitos deles, com animais selvagens à margem, fora da cerca, se locomovendo próximos à estrada.
Durante a curta incursão em busca de animais selvagens, percebo que todos os animais vivem à vontade na imensa reserva natural. Meus olhos ficam atentos aos menores movimentos à procura de um bicho inédito. E não demora muito para me deparar com uma dupla de javalis correndo em minha direção. E, não tão distante, me vejo com os olhos pregados em antílopes enormes, como o gnu, orix e kudu — estes dois últimos me chamam a atenção pela beleza excessiva. Cheguei a ficar paralisado com a cena. De tão incomum aos meus olhos, minha reação teria sido a mesma se tivesse visto um unicórnio. Parecia imagem de filme de fantasia. Sem exagero.
A AfriCat Foundation não apenas resgata animais, mas atua também como agente de conscientização, dando assistência aos fazendeiros e trabalhando com educação e pesquisa, mas sem perder seu principal foco: a conservação a pequeno, médio e longo prazo dos grandes carnívoros da Namíbia.
Dá para conhecer a Reserva Natural de Okonjima em poucas horas, mas também é possível se hospedar no local, que oferece diversas opções de acomodações, que vão desde acampamentos privados bem equipados até lodges requintados.
A luta para conscientizar a população é o maior desafio da Fundação, uma vez que lida com agricultores, comunidades locais, líderes conservadores e, principalmente, com o sistema agropecuário — uma das promessas de desenvolvimento do país.
Segundo a Cheetah Conservation Fund, outra fundação localizada na Namíbia, nas décadas de 1980 e 90 mais de 10 mil felinos foram abatidos por fazendeiros: um número que estimou a extinção desses animais no país em um prazo de 20 ou 30 anos. Ainda bem que isso não aconteceu. A solução para este problema foi a importação de cães pastores: animais que protegeram o rebanho e, com isso, os fazendeiros não precisaram mais matar os predadores. Ou seja, somente com estudos e ações responsáveis foi possível uma redução de quase 90% da matança dos grandes felinos.
A AfriCat Foundation é a prova dessa luta incessante. É o retrato de um país que está tentando se solidificar como nação e que está enfrentando os primeiros problemas de sua independência.
A Fundação é também uma amostra que animais vivos valem muito mais do que mortos, e isso se deve também ao turismo, à globalização, às facilidades em viajar. O dinheiro dos turistas compra experiências, ajuda na preservação, cria leis, incentiva comunidades locais, gera empregos e ajuda no desenvolvimento.
Nenhum lugar é perfeito por mais exuberante que aparenta ser. É preciso olhar para as dificuldades dos destinos e conhecer lugares não citados nos guias. Derrubar a cortina da perfeição e se envolver é igualmente necessário, mesmo que seja comprando um bilhete de acesso de alguma fundação. Isso já é uma grande ajuda.
Como chegar à AfriCat Foundation
A AfriCat Foundation está localizada dentro da Reserva Natural Okonjima, a 200km da capital Windhoek. É indicado comprar um mapa da Namíbia (é facilmente encontrado no aeroporto). O uso do GPS facilita.
A partir da capital, seguir pela B1 sentido Okahandja, depois ir em direção a Otjiwarongo (cidade base para explorar a região). O acesso estará à esquerda com a sinalização para Okonjima.
O que você precisa saber
- O safari (game drive) custa N$ 200 por pessoa, aproximadamente R$ 50,00;
- É possível conhecer em apenas um dia, mas dá para se hospedar no local;
- Não é necessário agendar a visita;
- A hospedagem pode ser reservada aqui;
- O desrespeito às regras da reserva é passível de multa;
- Chips de celular podem ser comprados na capital;
- Não é aconselhável dirigir à noite (alguns campings não deixam entrar após às 22h);
- Carros 4×2 ou 4×4 são sempre as melhores opções;
- É aconselhável alugar carro com antecedência (e reservar com as agências também);
- Dá pra contratar agência na capital, mas sai bem mais caro (e a viagem se torna mais engessada);
- A CNH pode ser a mesma que utilizamos no Brasil (não precisa da internacional);
- Para entrar na Namíbia não é necessário visto;
- Vacina contra a Febre Amarela é obrigatória.
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