Já faz tempo que aconteceu. Não participei. Não tenho nenhuma recordação. Era apenas um recém-nascido. Sorte minha, não acompanhei nada, não fui repreendido, nem preso. Quem viveu na época da Ditadura Militar acompanhou a repressão, que tensão, não?! Para aqueles que nasceram nos anos 80, e depois dessa década, assim como eu, não guardam memórias, somente histórias, contada pelos livros e pelos outros.
O Sesc Consolação resgatou o passado de São Paulo e criou o roteiro Caminhos da Resistência: Memórias da política paulistana, que é parte do programa Turismo Social da entidade.
O objetivo do projeto é redescobrir São Paulo, evidenciar pontos importantes da cidade no período da Ditadura, além de explorar locais que marcaram a época do Regime Militar, mais especificamente o período entre o Golpe de 64 e o desfecho da Ditadura, em 1985.
Memórias da Resistência de São Paulo
O ExploraSampa foi convidado a participar do passeio a convite do Sesc Consolação, por intermédio da assessoria B4T. Participaram desse tour: Rafael Kosoniscs (Seu Mochilão) e Rafael Leick (The Way Travel).
Fomos recepcionados na porta do Sesc, e uma competente equipe nos acompanhou nesse passeio, a historiadora Ângela Fileno, a guia turística contratada pelo Sesc e o Canto Poético, dupla formada por Marco Antonio Garbellini e William Rolderick Vasconcelos.
O tour começou a pé, saímos do Sesc Consolação e partimos para o Rua Maria Antônia. Lá conhecemos o Centro Universitário Maria Antônia, local onde ocorreu um confronto histórico, conhecido também como a “Batalha da Maria Antônia”, que foi o conflito entre estudantes da Faculdade de Filosofia da USP, e da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
A historiadora conta com detalhes a história da confusão, os personagens envolvidos – muitos deles são figuras públicas. É muito interessante, de verdade! Um grande detalhe é a placa na entrada do prédio, que homenageia as vítimas do confronto, e que já possui 46 anos de história.
Após essa primeira atração, o Sesc Consolação ofereceu microônibus para agilizar a locomoção, com direito a lanche e suco.
O tour ficou ainda mais constrangedor – no bom sentido – porque a cada parada, (eu, particularmente) percebia que quase não conhecia tamanha riqueza na história de São Paulo. Juro que não colei na escola, simplesmente não aprendi, não sabia. Acho que o objetivo do Sesc é justamente esse, mostrar o que não foi contado.
Passamos pelo antigo Presídio Tiradentes, ou melhor, vimos somente o que sobrou dele, o portal de entrada, tombado como patrimônio histórico pelo Estado. Aquele lugar, que hoje é uma agência bancária, abrigava presos políticos na época do Regime Militar (da Era Vargas também). Muitos detalhes interessantes são contados, como por exemplo, os privilégios que os presos possuíam. Passaram por esse presídio pessoas conhecidas, como Dilma Rousseff e Monteiro Lobato. As histórias são bem interessantes e merecem ser ouvidas.
O passeio também foi acompanhado pelo Carlos, um artista viajante que estava hospedado na casa de um amigo, Rafael Leick, que levantou um ponto interessante:
“É legal ver como a percepção de mundo muda totalmente dependendo da bagagem que cada um carrega. O Carlos é português, fala a mesma língua que a gente, mas vem de uma cultura europeia. E ver o quanto ele se indignou que os presidiários, sendo presos políticos ou não, tivessem regalias como a construção de uma cozinha para humanizar o ambiente e ainda mais com o uso da expressão ‘humanizar’ nesse contexto.
As intervenções
Durante todo o passeio, presenciamos intervenções artísticas. E digo logo: é bonito de se ver. Elas são em forma de poesia ou de música. A experiência é muito interessante, porque enaltece o contexto histórico e de certa maneira nos faz sentir ainda mais imerso no período da Ditadura Militar. Muitas músicas que temos hoje na ponta da língua são da época da Ditadura. E grande parte delas cantamos sem saber seu significado histórico. Curioso, não? Muitos artistas, como Caetano Veloso, Chico Buarque, Adoniran Barbosa e até mesmo Roberto Carlos, escreveram canções sobre o período.
Conhecemos também a Casa do Povo, que foi erguida em homenagem aos judeus que morreram na II Guerra Mundial, mas que também carrega um bocado de história na época da Ditadura Militar. O local é um dos símbolos da resistência política, tendo acolhido na época o jornal Nossa Voz, veículo de oposição à Ditadura.
Esse definitivamente não é o ponto alto do passeio, mas mesmo assim é legal. É uma passagem rápida, apenas de cunho histórico. Não há muita coisa interessante para se ver, apesar de ter uma das maiores bibliotecas em idish, idioma derivado do alemão, falado em sua maioria pela comunidade judaica.
Porque lembrar é resistir
O passeio se encerrou com chave de ouro, fomos levados até a Estação Pinacoteca, mais precisamente no Memorial de Resistência de São Paulo.
Lá é incrível. O lugar conta com detalhes a repressão política sofrida durante a época de Ditadura Militar. É realmente um lugar para a preservação da memória da resistência política de São Paulo.
Não posso contar muito para não perder a graça, mas a parte mais marcante é poder entrar nas celas onde os presos políticos eram enclausurados, denotando a agonia e o sentimento que eles presenciavam. O ambiente, que passou por uma grande restauração e musealização, conta toda a história do local, recriando detalhes, como os rabiscos que os presos faziam nas paredes. Chocante!
Existe também uma cela com áudio, onde é possível ouvir relatos de ex-detentos políticos. É triste e ao mesmo tempo bonito de se ouvir, não sei dizer ao certo. Acho que em cada pessoa causa uma reação diferente.
Esse é o tipo de passeio que te faz passar o resto do dia pensando sobre o assunto, sabe? É também o tipo de visitação que faz o dia valer a pena.
Como participar?
Fique de olho na programação do SESC Consolação. Veja no site!
Dicas da exploração
Quem vai gostar mais de explorar:
Paulistanos | Apreciadores de cultura e história | Estudantes | Turistas
O que mais curti: As intervenções artísticas e o Memorial de Resistência de São Paulo.
O que pularia: A visitação à Casa do Povo. O ambiente é muito degradado e não oferece muita informação visual sobre o período da Ditadura Militar.
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