Precisei de poucos minutos na Ponta da Juatinga, Reserva Ecológica de Paraty, RJ, para perceber que ali era o retrato mais fiel daquela região de praias isoladas. Fui para lá numa caminhada a partir da Praia Martim de Sá com o desejo de conhecer o Farol da Juatinga, uma pequena torre luminosa que já teve grande importância anos atrás – atualmente o GPS também se encarrega de orientar os navegadores –, mas que, ainda assim, possui prestígio e carrega ainda toda a sua essência: orienta, serve como ponto de referência e mostra que o local é um ponto importante. E o farol tem toda a razão, ali é mesmo um lugar que merece todos os olhares.
A caminho do Farol da Juatinga
O trekking para se chegar até esse lugar de praias cobiçadas pode durar vários dias – mínimo de uma semana. A travessia se inicia no Saco do Mamanguá, próximo de Paraty-Mirim, e finaliza na Vila Oratório, após a Praia do Sono – percurso de aproximadamente 60km feito em meio à Mata Atlântica e que cruza diversas praias e vilas caiçaras. A Ponta da Juatinga faz parte dessas praias, mas quase não recebe viajantes por fugir da rota do tradicional circuito, isso porque o lugar fica em lado oposto da trilha comum.
A trilha para a Ponta da Juatinga é diferente das demais trilhas da região. O trajeto é menos sinalizado, a mata mais fechada, o caminho mais deserto. Saindo da Praia Martim de Sá, demora-se aproximadamente quatro horas para se chegar até o farol.
Ao chegar na Ponta da Juatinga, percebi diversos olhares em minha direção – você nota que está em um lugar raiz quando atrai vistas de moradores locais, e há dois tipos de olhares: os de repulsa e os de curiosidade, por sorte, eram estes últimos que me fitavam desde os primeiros passos naquela vila escondida em meio à vegetação fechada e cercada pelo mar paratiense.
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Logo que desci uma das inúmeras ribanceiras, dei de cara com uma moradora que estava debruçada à janela de uma humilde casa. “Tá indo para o farol? ”, perguntou-me com gentileza de quem gostaria de ajudar. Respondi que sim e segui as orientações da moça, que se resumia a uma única e preciosa dica: “siga sempre à esquerda”. E, após alguns minutos de caminhada, já no meio de grandes arbustos e lutando contra raízes troncudas, percebi que a trilha estava estranha – quem pratica trekking nota facilmente quando há algo errado –, e tive certeza do equívoco quando desemboquei num paredão intransponível de 20 metros. Não havia mais dúvidas que eu havia errado em alguma das diversas bifurcações.
Meu olhar não estava atento e meus passos estavam pesados. O motivo? A fome. Já estava caminhando por mais de 4 horas, e a vontade de comer me desencorajou de tentar fazer novas investidas, me obrigando a voltar para tentar achar um lugar que vendesse almoço – em todas as praias da Juatinga têm pequenos restaurantes e, sabendo disso, não havia levado nada para comer.
A fome anestesia qualquer capacidade de raciocínio lógico. Numa simples caminhada em meio à vegetação da Ponta da Juatinga me vi perdido. Decidi voltar para almoçar. Só dessa maneira conseguiria chegar ao farol.
Após caminhar entre casas e descer inúmeras escadas de chão de terra até o núcleo da comunidade, encontrei um grupo de quatro senhoras e um rapaz sentados à rede. Perguntei se sabiam me informar se ali no vilarejo havia algum lugar para almoçar. Eles riram. Me informaram que não existia nada para vender por ali – o lugar não é uma vila badalada e, de fato, não tem o costume de receber muitos viajantes.
Notando minha fome, uma das senhoras se ofereceu prontamente para me preparar um almoço. Imediatamente se levantou, calçou um desgastado chinelo havaianas e caminhou até a sua casa, que ficava bem ao lado da “ilha de redes”. Não tive tempo de negar nada. E nem rejeitaria também. Agradeci de imediato, ocupei o lugar dela na rede e notei que o balanço era feito cuidadosamente de rede de pesca. Achei curioso. Mas fiquei mais surpreso mesmo com tamanha gentileza da pessoa, vendo-a brotar de forma tão natural e espontânea. Difícil encontrar pessoas assim em cidade grande, para não dizer impossível.
Vi uma transformação ali na minha frente. Quando perceberam minha fome, aquele olhar de curiosidade deu lugar ao olhar de compaixão. Até então, nunca tinha vivido momento parecido.
Enquanto aguardava o almoço ficar pronto, conversava com as outras moradoras que também se mostravam comunicativas e curiosas sobre a minha vida, mas eu estava muito mais interessado em saber sobre elas do que falar de mim. Entre um papo e outro, perguntei como era viver cercado por água. “A gente aprende desde cedo a respeitar o mar, porque se isso não acontece, ele nos obrigará a fazê-lo em algum momento da vida”, comentou uma das mulheres. “Essas águas são generosas, são delas que a gente tira do que comer e do que viver”, completou a outra moradora, se referindo à pesca e também ao transporte de turistas feito por barco a partir de Paraty e outras praias da região.
Quando o papo estava ficando ainda mais interessante, recebi a notícia que a comida estava pronta. Fui convidado a entrar na casa. E, antes de me levar para a cozinha, a senhorinha, que se chamava Cláudia, fez questão de mostrar sua pequena casa. Começamos pela varanda, lugar onde repousava um montante de rede de pesca. Já dentro da residência, o ambiente era simples, e me senti como se estivesse dentro da casa da minha avó, tudo organizado, limpo, acolhedor. O piso de cimento vermelho dava uma sensação retrô e se estendia por todos os cômodos. Os quartos, apenas dois, se escondiam atrás de portas sanfonadas. Na sala, apenas um sofá azul, sem tevê, sem nada mais. Na cozinha, um fogão de quatro bocas e uma pequena mesa com três banquinhos de madeira. Me sentei num deles.
O prato servido foi ao melhor estilo: arroz, feijão e ovo frito. Melhor refeição que essa? Impossível! Em poucos minutos saciei minha fome. Tentei lavar meu prato, mas fui impedido pela dona da casa. Fiz questão de pagar pela comida com a convicção de quem não aceitaria um “não” como resposta. E assim foi feito. Eu fiquei feliz, ela também.
De barriga cheia e com passos mais firmes, foquei em subir até o farol. Ao contrário de outros faróis, este da Juatinga se localiza a 167 metros de altitude, sendo o segundo construído em local mais alto do Brasil, mas a torre é pequena, não ultrapassa 6 metros. E, lá de cima, como era de se esperar, uma vista privilegiada da Ponta da Juatinga. Fiquei bons minutos admirando a bonita paisagem do lugar, pensando não somente na vista que se apresentava aos meus olhos, mas na vida das pessoas que ali viviam, numa rotina muito diferente da minha – sem medir se era melhor ou pior, somente diferente, a começar pela companhia de um guardião do mar.
Vista do alto, a Ponta da Juatinga mais parece uma floresta do que uma vila caiçara. Escondidas, só um olhar atento consegue enxergar as casas entre uma árvore e outra.
Sou apaixonado por faróis. Eles carregam um conceito que me causa admiração. Todos têm uma boa história para contar, além de serem um instrumento que ainda evita naufrágios. Mas talvez, um dia, a tecnologia os aposentem de vez. E penso também que vida de farol não deve ser fácil. É um “ser” feito para o mar, mas que vive fora da imensidão do oceano. Num paradoxo terrível. É solitário por essência e precisa se mostrar forte todos os dias, até mesmo quando ninguém os vê. Este da Juatinga, por exemplo, ainda tem sorte, volta e meia recebe viajantes e não sofre colisão com as ondas, porém, ainda assim, está fadado a solidão.
Já de volta para o nível do mar, conversei por mais de uma hora com aquelas moradoras. E, ao contrário da ida, o meu retorno para a Praia Martim de Sá seria de barco, maneira que encontrei de permanecer mais tempo naquele lugar, além de ser um modo de contribuir com a economia da região.
Dentro do barco, já navegando de volta a Martim de Sá, compreendi que minha ingenuidade sobre viagem ainda era enorme. Sai unicamente com o objetivo de conhecer um farol – que pobreza de pensamento, não? Mal poderia imaginar que o melhor estava ali mesmo, debaixo do farol.
De barco ou por trilha?
De barco é a maneira mais fácil de se chegar à Ponta da Juatinga. Do porto de Paraty saem diversas lanchas para as praias da região, mas nem todo mundo faz esse trecho. É importante pesquisar no local. Também pode acontecer de ter que pegar dois barcos. O primeiro até Praia Grande ou Pouso da Cajaíba. E o segundo até à Ponta da Juatinga. A partir de Ponta Negra também é possível contratar o passeio.
Por trilha é maneira mais roots. Geralmente, o trekking começa na Praia de Martim de Sá, isso porque a Ponta da Juatinga fica a aproximadamente quatro horas de caminhada. A Praia da Sumaca está a cerca de duas horas até o Farol.
Muitos ficam na Praia Martim de Sá ou Sumaca e fazem um ataque até a Ponta da Juatinga. É possível atingir o farol a partir de um ataque, mas para isso tem que acordar cedo, uma vez que exige uma caminhada de aproximadamente 4 horas – somente ida. Sendo possível voltar de barco, com o custo aproximado de R$ 50 por pessoa.
Quanto custa
Barco: A partir de Paraty ou Paraty-Mirim sai aproximadamente R$ 100 por pessoa. Ou R$ 50,00 cada trecho (por pessoa também).
Camping na Praia Martim de Sá / Sumaca: diária de R$ 20 por pessoa.
Reserva Ecológica Estadual da Juatinga
Tradicionalmente chamada de Juatinga, a área da Reserva possui aproximadamente 8 mil hectares – isso equivale a 8 mil campos de futebol – e abriga doze núcleos de ocupação de populações tradicionais (vilas caiçaras), que se espalham ao longo da Juatinga. Essas comunidades vivem da pesca artesanal, agricultura e um pouco do turismo (atividade recente). A fauna e flora também são as grandes atrações da região – juntamente com as praias –, a vegetação é composta da Mata Atlântica e possui aproximadamente 10 mil espécies de plantas, destacando-se, também, a mata higrófila, a mata de restinga e manguezal.
Paraty é a cidade mais próxima, sendo ponto base de apoio para as comunidades. O acesso é limitado a barcos ou trilhas. E o monitoramento da Reserva da Juatinga é feito pelo Inea, que atualmente está com um projeto de reordenamento turístico na área (principalmente capacidade de carga de pessoas), visando assegurar a sustentabilidade ambiental, a qualidade da experiência dos visitantes e a manutenção da qualidade de vida da população local.
Mapa da Juatinga
Seja um viajante consciente
- Acampe somente em áreas autorizadas (campings);
- Consuma refeições locais e contribua com a economia da região;
- Não faça fogueiras;
- Jogue lixo nas áreas determinadas;
- Respeite os costumes e tradições caiçaras.
O que você precisa saber
- Aceita somente dinheiro vivo;
- Não existe qualquer meio de comunicação;
- Tem que levar barraca;
- Permitido armar rede;
- Necessário levar água ao fazer as trilhas;
- Para se chegar de trilha demora alguns dias (mínimo de 3 dias a partir da Praia Grande);
- Dá pra ir a pé em algumas horas a partir do Pouso de Cajaíba, Martim de Sá e Sumaca;
- Trilha um pouco fechada de nível moderado;
- Levar protetor solar e repelente;
- Levar água e comida;
- Não tem restaurante.
Tracklog
O tracklog para se chegar a Cairuçu das Pedras está disponível no Wikiloc.
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Gostaria de mais informações
Das aventura hahah
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Fiquei muito feliz por ver este texto! A dona Claudia que fala no texto é minha tia, e uma das mulheres que está na balança minha mãe sou de Juatinga e atualmente moro em Paraty, mas morei lá ate meus 18 anos e ainda vou sempre visistar meus familiares, fico muito feliz que gostou de nossa terra, sim são poucos turista que vão ao local por isso não investimos em restaurantes mas por uma parte é bom porque não perde seu encanto em ser um lugar tranquilo! Venha nos visitar estamos sempre de braços abertos para receber novos visitantes 🙂
Olá, Carol. É sério isso? Caramba, que mundo pequeno. Eu adorei passar o dia na Ponta da Juatinga, na verdade foi um grande privilégio conhecer sua tia, sua mãe e alguns moradores dali. Nunca vou me esquecer desse dia. Apenas agradeço, de coração. Um abraço!
[…] região da Juatinga, como o Saco do Mamanguá, Martim de Sá, Cairuçu das Pedras, Praia da Sumaca, Ponta da Juatinga e outras. E falando em praia, Paraty-Mirim possui uma bonita faixa de areia, com aproximadamente 700 […]
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