A Namíbia é a certeza de uma viagem intensa e cheia de ineditismo, porque nesse país da África, encontra-se cenas esplêndidas uma seguida da outra.
Nos 400 quilômetros de estrada de chão de terra que separavam Swakopmund de Sossusvlei, uma região montanhosa e avermelhada se apresentava durante praticamente todo o percurso, mas que nos últimos 100 quilômetros foram diminuindo até ficar praticamente plano. Era apenas um indício do que iria encontrar: o Deserto da Namíbia, um exótico território da África Meridional.
Durante o trajeto, pouco se notava a presença humana. Eventualmente um posto de gasolina aparecia no horizonte para confortar o meu coração de aventureiro independente. Em Sossusvlei, última etapa da minha viagem, a extrema aridez causava uma sensação de abandono de encher meu peito. Gostava do que enxergava. Os cenários quase me fizeram chorar, mas os olhos estavam absorvidos e ocupados com as paisagens incomuns.
Naquele lugar, a chuva é rara e chega eventualmente nos meses de janeiro e fevereiro, mas nem sempre acontece de cair água por lá, o que faz do local um dos mais áridos do mundo. De dia, poucas nuvens aparecem; à noite, o céu fica recheado de estrelas. O calor acontece nos primeiros raios de sol da manhã, que depois abre passagem para a temperatura amena do entardecer. De noite é frio. Essa é a dinâmica do deserto.
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A icônica paisagem de Sossusvlei é o grande cartão-postal da Namíbia. Não por acaso é, desde 2013, classificada como Patrimônio Mundial Natural pela Unesco. É também um ponto turístico bastante conhecido, mas poucos turistas percorrem as inóspitas estradas que circundam o vasto deserto. Pode-se dizer que é um destino pouco explorado.
Fiz essa viagem com meu amigo Rafael Leick. Até este ponto da road trip já havíamos rodado quase 3 mil quilômetros. Estávamos na entrada do Namib Naukluft National Park, a imensa reserva de Sossusvlei.
Já próximo do pôr do sol, tínhamos que achar algum lugar para dormir, mas o horizonte nos convidava para ir além. Enfim, as primeiras dunas começaram a aparecer. Sentia que estava em um local privilegiado pela tamanha beleza que descortinava diante de meus olhos. As enormes montanhas de areia se perdiam no horizonte dourado, e o sol aparecia de maneira espantosa no plano de fundo. Tudo era imenso. O referencial de tamanho se resumia a meu corpo. Sentia-me obrigado a descer do carro para contemplar um momento que certamente não viveria novamente, pelo menos não naquele local. Entrei no carro e segui adiante. Não enxergava nada além da majestosa paisagem natural.
O Deserto da Namíbia é considerado o mais antigo do mundo. Estima-se que tenha 55 milhões de anos. O único sinal do tempo é dado pelo tom alaranjado da areia: quanto mais antigo, mais avermelhado as dunas se apresentam. E, lá, as dunas são alaranjadas, num tom muito acima do amarelo. A cor é de ferrugem.
Pisar no Deserto da Namíbia já vale o esforço da viagem, mas Sossusvlei consegue ir mais longe, porque além de possuir um fascinante deserto, ainda guarda um segredo protegido entre dunas: Deadvlei. Trata-se de local que é uma imensa bacia de argila branca, sendo composta por diversas árvores petrificadas – pelo fato de existir um clima rigorosamente seco, as árvores, que possuem mais de 900 anos, não puderam se decompor e se petrificaram. O resultado é o maior cartão-postal da Namíbia, uma vez que o visual é composto pelo branco do solo, o azul do céu, o marrom dos esqueletos das árvores e as dunas alaranjadas, as quais são consideradas as mais altas do mundo.
Atolados no Deserto da Namíbia. Eu e Leick nos perdemos. Seguimos adiante pela estreita estrada de terra sem notar que passamos pelos únicos campings e lodges de Sossusvlei. Percorremos deserto adentro hipnotizados pelas paisagens. Vacilamos.
Já próximo de Deadvlei, o chão, que era de terra, tornou-se areia. O carro parou. As rodas giravam em falso. Atolamos. Ficamos presos na espessa massa de areia do deserto. Desci do carro para ver o tamanho do problema: metade das rodas estavam engolidas pelo fino pó dourado, fato que nos fez passar incontáveis minutos tentando desencalhar. Sem resultado. As investidas com o motor eram inúteis. Era fim de tarde.
Vimos pessoas surgirem no horizonte. Só era possível observar as silhuetas, que se apresentavam contra a luz dos últimos raios de sol. Ao chegarem próximos de nós, demos conta que eram turistas. Dois alemães. Gentilmente nos ajudaram a cavar fundos buracos, mas a bondade não surtiu efeito. O que era divertido, passou a ter certa dose de drama. Eles desistiram de nos ajudar após alguns minutos de insucesso. Seguiram adiante e nos devolveram todo o problema. Estávamos pagando o preço de uma fascinação que nos cegou. A noite caiu de vez.
Cavamos. Cavamos. Cavamos. Passamos incontável tempo tentando nos livrar das areias das rodas. Tínhamos lanternas, mas a disposição era escassa. Estávamos cansados. Retirar a areia do deserto parecia inútil, tão estúpido quando querer tirar a água de um oceano. Lutar contra aquele atoleiro era derrota garantida.
Estávamos receosos de aparecer possíveis animais selvagens ou até mesmo escorpiões do deserto – aqueles que assistimos nos documentários da Discovery Channel. E, à medida que a noite avançava, diminuía a possibilidade de aparecer alguém para nos resgatar.
— Melhor a gente dormir no carro hoje, não temos muito o que fazer — disse Leick. A preocupação era nítida, mas estávamos na rota e sabíamos que logo pela manhã nossas esperanças seriam renovadas com o nascer do sol.
A madrugada foi fria e de pouco sono. Ouvia alguns ruídos, mas sair para fora do carro era impensável. O breu do deserto causava respeito. Naquela situação, o melhor a fazer era tentar dormir; o desconforto do carro, juntamente com o corpo impregnado de areia, impossibilitava um descanso razoável. Tínhamos água e comida, por conta disso a inquietação era minimizada.
A conversa com Leick foi quase inexistente. Estávamos numa roubada e nenhuma bate-papo iria amenizar o sentimento de impotência que pairava em nós. Não havia culpados.
Minha cabeça não dava sossego. Pensava em todos os problemas que poderiam acontecer. “E se amanhã não passar nenhum carro?”, “E se me der uma apendicite?”, “E se algum animal selvagem de grande porte resolver causar na madrugada?”. Gastei muita energia retirando as areias das rodas, mas também consumi grande parte removendo os pensamentos ruins da minha mente. Em algum momento adormeci.
É fim da madrugada. Acordo com ruído de motor. Vejo faróis reluzindo no retrovisor do nosso carro. Acordo Leick. Vemos que são jipes e que se aproximam.
— O que aconteceu aí? — gritou um homem ao cruzar com nosso carro.
— Atolamos ontem à tarde e não conseguimos sair — Leick respondeu.
A feição de espanto do sujeito chamou a atenção. Ele se identificou como um guia do parque.
— Vocês estão aí deste ontem? — perguntou já descendo do carro — Deixa-me ver se eu consigo tirar.
Entregamos a chave sem titubear. O guia entrou no carro, jogou o banco para trás e deu a partida. Ensaiou alguns movimentos com o volante. Acelerou. Fez o motor rugir. Sem sucesso. Ele constatou que era impossível de sair dali daquela maneira. A solução? Murchar os pneus. Em apenas 3 minutos ele esvaziou parcialmente os quatro pneus do nosso Toyout Suv 4×2 e conseguiu sair do atoleiro.
— Quanto te devo por isso? — perguntei para o guia.
— O quanto você achar que me deve — respondeu sem hesitar — Mas podemos fechar um valor legal, assim aproveito e já levo vocês para Deadvlei.
Fechamos com ele um valor justo para nos levar até o nosso último grande destino da Namíbia, que não estava muito distante dali.
Deadvlei. Já estava claro. Na caçamba do jipe vimos os primeiros raios de sol saírem entre as poucas brechas que apareciam entre as dunas. O caminho até Deadvlei foi curto. Chegamos até uma ampla área de “estacionamento” localizado deserto adentro. A partir dali era necessário seguir a pé.
Fomos os primeiros ou certamente um dos primeiros a chegar no local. A recomendação foi para caminharmos pela crista da duna que apareceria logo à frente, para, então, descer até a grande bacia de argila, local onde estão as árvores petrificadas. Entretanto, pegamos um atalho sem perceber: começamos pelo atrativo principal.
Com raras pessoas no lugar – porque a maioria escolheu fazer o caminho mais inteligente – aproveitamos o momento sem interferências. Tiramos fotos, percorremos incansavelmente toda a área de argila branca cujo tamanho se aproxima de um campo de futebol, e nos impressionamos com as árvores petrificadas. Passei boa dose de tempo sentado admirando aquele lugar. Fiquei boquiaberto. Tinha a certeza de que ali era um dos ambientes mais fascinantes que até então visitara em toda a minha vida. A paisagem era exótica. Rara. Única no planeta.
O sol foi gradativamente ganhando parte do enorme campo de árvores mortas, que também significava um tímido aumento de pessoas. Foi aí que sentimos a obrigação moral de fazer o caminho inverso: teríamos que subir a grande duna: a Big Daddy.
O nome do grande banco de areia não é casual, trata-se de um monumento natural de 350 metros. É considerada a segunda maior duna do mundo. Subi-la não é fácil. A cada dois passos, volta-se um. A ascensão fadigou ao extremo, mas rendia boas doses de realização pessoal para mim, afinal de contas estava subindo uma gigantesca duna do Deserto da Namíbia. Era suficiente para deixar meu peito recheado de felicidade.
No topo, ensaiei novas fotos. Descansei. Admirei. Agradeci. A majestosa experiência pela Namíbia terminaria no dia seguinte, por isso sabia que aquela era uma grande despedida de um dos lugares mais emocionantes de toda a viagem. Enxergar o deserto de cima da segunda duna mais alta do mundo significava muito: que bela maneira de terminar uma viagem.
Como chegar a Sossusvlei
Há duas maneiras de chegar se chegar a Sossusvlei. A primeira é através de agências de turismo, usualmente contratadas em Windhoek, capital da Namíbia. A outra é por meio de aluguel de veículo, sendo esta uma alternativa para fazer uma viagem mais independente.
O aeroporto utilizado é Internacional de Hosea Kutako (WDH), marcado como o ponto de entrada da Namíbia. Está localizado a apenas 40 km de Windhoek. Sendo assim, uma alternativa é organizar uma viagem que atinja diferentes destinos, não apenas a aldeia Himba.
Sossusvlei está localizado a 400 quilômetros da capital – cerca de sete horas de viagem. O uso de GPS é indispensável para quem desejar fazer a viagem por conta própria.
Preços de Sossusvlei
- Entrada: Por pessoa: NAD 80 = R$ 20,00 | A taxa diária por carro é de NAD 10 = R$ 2,50.
- Jipe até Deavlei (Essencial): Passeio de três/quatro horas tem custo aproximado de NAD 160 = R$ 40,00
- Refeições: De NAD 80 = R$ 20,00 a NAD 250 = R$ 62,50
- Camping: Entre NAD 150/200 = R$ 37/48
O que você precisa saber
- O itinerário mais comum é a partir de São Paulo (GRU) com chegada em Windhoek (WDH);
- Caso prefira alugar carro, é ideal que a viagem aconteça com duas pessoas ou mais;
- Aluguel de carro não é barato, o custo de um 4×2 pode chegar a R$ 3.800,00 por semana;
- Veículos 4×2 ou 4×4 são sempre as melhores opções;
- Aceita-se a CNH brasileiro (não precisa emitir a internacional);
- É aconselhável (necessário) alugar carro com antecedência (e reservar com as agências também);
- Agências de viagem são mais caras;
- Para uma viagem econômica, pode-se optar por camping (necessário levar barraca);
- O mapa rodoviário da Namíbia pode ser comprado no aeroporto (sugiro que faça isso);
- O dinheiro deve ser trocado imediatamente na chegada, também localizado dentro do aeroporto;
- Cartões de crédito são utilizados facilmente dentro da Namíbia;
- Não é aconselhável dirigir à noite (alguns campings não deixam entrar após às 22h);
- O acesso ao Namib Naukluft National Park é pago;
- É essencial abastecer (completar o tanque do carro) antes de entrar em Sossusvlei;
- O valor por pessoa (diária) $ 80,00 = R$ 20,00 | A taxa (diária) por carro é de $ 10,00 = R$ 2,50;
- O valor dos jipe para levar até Deadvlei é de aproximadamente $ 160,00 = R$ 40,00
- Pode-se optar por camping ou hospedagens luxuosas;
- Mesmo que o guia esteja incluso no valor da entrada, gorjeta são bem-vindas;
- Chips de celular podem ser comprados na capital;
- Para entrar na Namíbia não é necessário visto;
- Vacina contra a Febre Amarela é obrigatória.
[…] Sossusvlei: uma inesquecível jornada pelo Deserto da Namíbia […]
“Esse dia foi louco” é o melhor comentário que eu tenho sobre nossa visita a Sossusvlei. 😛
E ele ainda terminou, antes de voltar a Windhoek, com uma “situação policial”, eu diria rs
Mas eu faria tudo de novo, foi uma viagem incrível.