Alta e imponente, uma membro da tribo Himba anda com sua beleza escultural incomum. A imagem é aguçada pelas tranças cobertas com ocre vermelho, as quais formam um exótico penteado. Outros adornos complementam o visual único. Sua pele, revestida com a mesma espécie de argila, parece não pertencer a este mundo, mas tudo tem uma justificativa. A aparência rara guarda séculos de história e cultura.
Tengo Ngorera é a primeira a se apresentar a mim. Ela nasceu na tribo Himba, cresceu em meio a aldeia Otjikandero, mas é das poucas que se rendeu à modernidade. Além de estudar contabilidade em Windhoek, capital da Namíbia, é guia da tribo, sendo uma das principais responsáveis em fazer a intermediação entre turistas e os membros da aldeia.
O povo Himba é originário da Angola, mas escolheram o norte da Namíbia como sua nova pátria, e isso aconteceu durante o século 16 por diversos motivos. A busca por água foi uma das razões, entretanto o principal impulso para a migração aconteceu no início do século 20, com o genocídio provocado pelo ocupação alemã. Mais de 100 mil integrantes das etnias herero e nama foram massacrados.
Tengo me explica que a maioria dos Himbas vive na Namíbia, entretanto muitas outras aldeias ocupam o sul de Angola. “Há mais de mil vilarejos aqui no noroeste da Namíbia, chamadas de Kaokoland, este nome se refere às nossas terras, a terra dos Himbas”, explica a guia. No mapa, a nomenclatura é outra, a região é conhecida como Kunene.
Descendentes de pastores hereros, os Himbas são considerados um dos últimos povos seminômades da África. Estima-se que a população seja de 20 mil a 30 mil.
A saudação tradicional acontece com um aperto de mão, juntamente com os dizeres “Moro, Perivi, Nawa”, que significam respectivamente “Oi, Tudo bem?, Bem!”. Ela me faz ensaiar o ritual de cumprimento algumas vezes. De impossível compreensão, o idioma é o otjiherero, uma língua nígero-congolesa, falada pelos hereros na Namíbia, Angola e Botsuana. É a língua oficial da tribo Himba.
Tengo explica que o forte da aldeia é a criação de vacas, cabras e ovelhas. E, segundo a guia, a riqueza é baseada na quantidade de gado que a pessoa possui. E um dos aspectos marcantes da tribo é a poligamia. O homem pode ter quantas mulheres quiser, desde que tenha animais suficientes para isso. “Para cada mulher, o homem precisa ter cinco gados, dois são destinados à festa, e três para a família da esposa”, conta Tengo. Para os que possuem mais de uma esposa, eles têm o compromisso de dormir cada dia com uma delas.
Enquanto a intimista visitação acontece, percebo que não há homens no local. De acordo com Tengo, eles saem cedo para cuidar do rebanho e fazer outras atividades, enquanto as mulheres estão amplamente preocupadas em coletar lenha, cuidar das crianças, captar água fresca, cozinhar e fazer artesanato.
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Religião. A tribo Himba adora o deus Mukuru, além disso, possui devoção aos seus ancestrais. Eles acreditam que tal divindade seja representada pelos antepassados, uma vez que Mukuru esteja ocupado em um reino distante.
A maneira como eles se comunicam com o seu deus é através do fogo sagrado, chamado de “okoruwo”. “A fumaça sobe em direção ao céu, o que lhes permite comunicar-se com seus antepassados que estão em contato direto com o Ser Supremo”, explica Tengo. Em toda aldeia Himba, encontra-se esse fogo sagrado, enquanto ao lado dele alguns troncos de madeira são colocados para alimentar a fogueira sempre que preciso. “É necessário esse contato para manter os ancestrais felizes. O fogo é mantido vivo até a morte do chefe da nossa aldeia, que quanto acontece, a sua cabana é queimada”, diz. A família do chefe então dança de luto durante toda a noite, e depois do seu enterro, uma árvore de mopane é acesa das brasas do fogo antigo.
Um fato curioso é que os visitantes não tem permissão para cruzar a linha sagrada, a menos que sejam convidados pela aldeia. A linha é imaginária e começa na entrada principal da cabana do chefe e vai em linha reta até o fogo sagrado.
Ocre vermelho. A aparente argila que cobre os corpos das mulheres possui o nome de “ocre vermelho”. É feita através da pedra ocre (hematita), a qual é moída. Depois disso, os fragmentos são misturados com manteiga, ligeiramente aquecidos por meio de fumaça e aplicados sobre a pele. O resultado final possui o nome de “otjize”. “Ela tem muita serventia, serve para estabelecer uma diferença entre homens e mulheres, também ajuda a gente a se proteger do sol ardente, mantendo a pele limpa e úmida e, de alguma maneira, bloqueia o crescimento do pelo do corpo” conta a guia. As mulheres himbas cobrem seus corpos duas vezes por dia com o otize.
Banho de fumaça. Um dos traços mais marcantes da tribo Himba é que as mulheres não podem usar água para se lavarem. O hábito remonta às grandes secas que assolavam os antepassados, no qual apenas os homens tinham acesso a água para tomarem banho. Além de aplicar ocre vermelho, as mulheres himbas tomam um banho diário de fumaça para manter a higiene pessoal. Elas colocam um pouco de carvão em uma pequena tigela de ervas (principalmente folhas e pequenos galhos de árvores Commiphora) e esperam a fumaça subir. Depois disso, se curvam sobre a tigela e, devido ao calor, começam a transpirar. Para uma lavagem completa do corpo, cobrem-se com um cobertor para que a fumaça fique presa embaixo do tecido.
Homens e mulheres. As crianças himbas são circuncidadas antes de atingirem a puberdade. Durante o processo de circuncisão, os meninos ficam em silêncio; as meninas possuem autorização de gritarem. Além disso, ainda criança, as meninas já são destinadas ao futuro marido. O casamento ocorre quando elas atingem entre 13 e 17 anos.
Penteados. Os penteados indicam idade e status social. Uma jovem normalmente tem duas tranças, chamada “ozondato”. Pouco antes da puberdade, as meninas usam longos trançados soltos ao redor da cabeça. Entretanto, quando elas completam a cerimônia de puberdade, recebem o cocar “ekori”, o qual é feito de ovelha ou pele de cabra, muitas vezes decoradas com ferro.
Quando a mulher himba é casada há cerca de um ano – ou depois de ter um filho –, o cocar é substituído pelo “erembe”, feito de pele de cabeça de bode. A partir de então, o antigo é usado somente em ocasiões cerimoniais.
Os homens himbas também usam penteados diferentes, como a trança única chamada de “ondato”, que indica idade de se casar. Homens casados usam um turbante de múltiplas tranças encharcadas de otjize (ocre vermelho).
Roupas e joais. O povo Himba ainda se enfeita com os costumes antigos. Tanto homem quanto mulher usam colares, pulseiras e tornozeleiras. Os materiais são diversos, feitos muitas vezes de casca de ovo de avestruz, grama, tecido e cobre. Eles utilizam pó de óxido de ferro como efeito brilhante e faz dele uma espécie de glitter. A tribo também é reconhecida por suas joias ornamentadas feitas de conchas e pérolas.
Depois de receber uma completa aula sobre essa cultura africana, vejo as mulheres da aldeia formando um círculo e forrando o chão com seus artesanatos. É o turismo cobrando o seu preço. Entretanto, no coração da tribo Himba, na Namíbia, sustento a gratidão de ter conhecido um dos últimos povos seminômades da África.
Tribo Himba de Otjikandera
A melhor época
Para conhecer a tribo Himba de Otjikandera, o ideal é ir nos meses de seca na Namíbia, cujo período é marcado pelas temperaturas mais tranquilas. Sendo assim, o melhor período é entre maio e outubro. O auge da alta temporada acontece nos meses de julho e agosto, considerado o inverno do país africano.
A época menos disputada acontece entre novembro e abril, considerada a estação das chuvas. Além do período chuvoso, a alta na temperatura também acontece durante esses meses, quando os termômetros chegam a marcar 40°C.
Como chegar à tribo Himba
Há duas maneiras de chegar se chegar à tribo Himba de Otjikandera. A primeira é através de agências de turismo, usualmente contratadas em Windhoek, capital da Namíbia. A outra é por meio de aluguel de veículo, sendo esta uma alternativa para fazer uma viagem mais independente.
O aeroporto utilizado é Internacional de Hosea Kutako (WDH), marcado como o ponto de entrada da Namíbia. Está localizado a apenas 40 km de Windhoek. Sendo assim, uma alternativa é organizar uma viagem que atinja diferentes destinos, não apenas a aldeia Himba.
A tribo Himba de Otjikandera está localizada a 500 quilômetros da capital. Deve-se ter como destino o distrito de Kamanjab. O uso de GPS é indispensável.
Horário de funcionamento: Aberto diariamente sem horários pré-estabelecidos.
Valor: N$ 250 (R$ 67,50 ) por pessoa.
O que você precisa saber
- O itinerário mais comum é a partir de São Paulo (GRU) com chegada em Windhoek (WDH);
- Caso prefira alugar carro, é ideal que a viagem aconteça com duas pessoas ou mais;
- Aluguel de carro não é barato, o custo de um 4×2 pode chegar a R$ 3.800,00 por semana;
- Veículos 4×2 ou 4×4 são sempre as melhores opções;
- Aceita-se a CNH brasileiro (não precisa emitir a internacional);
- É aconselhável (necessário) alugar carro com antecedência (e reservar com as agências também);
- Agências de viagem são mais caras;
- Para uma viagem econômica, pode-se optar por camping (necessário levar barraca);
- O mapa rodoviário da Namíbia pode ser comprado no aeroporto (sugiro que faça isso);
- O dinheiro deve ser trocado imediatamente na chegada, também localizado dentro do aeroporto;
- Cartões de crédito são utilizados facilmente dentro da Namíbia;
- Não é aconselhável dirigir à noite (alguns campings não deixam entrar após às 22h);
- O acesso à tribo Himba é pago;
- Mesmo que o guia esteja incluso no valor da entrada, gorjeta são bem-vindas;
- Chips de celular podem ser comprados na capital;
- Para entrar na Namíbia não é necessário visto;
- Vacina contra a Febre Amarela é obrigatória.
Fotos da galeria: Rafael Leick, Viaja Bi
Que da hora relembrar essa viagem. Essa visita deixou a gente numa posição desconfortável e isso foi incrível. Nos fez repensar tanta coisa, né?
Valeu por compartilhar e com tantos detalhes, Rafa.
Abs
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Quanto aprendizado tivemos em pouco tempo… O camping, a escola, as histórias, a tenda, o artesanato. Valeu muito a pena a visita.
Porque não tem foto dos homens ?
Porque de manhã eles não ficam na aldeia. Todos saem!
Qual material utilizado para cobrir as casas dos Himbas? Parece ser algum tipo palha, seria palha do que?
Estou fazendo um trabalho escolar, se puder me ajudar respondendo, desde já agradeço.